Bairro de periferia, relativamente controlado pelo tráfico de drogas. Noite. A equipe da Delegacia de Homicídios é acionada para iniciar as investigações de mais um assassinato. A Polícia Militar já está lá isolando a área. Da faixa de contenção para trás, uma multidão de curiosos assiste ao espetáculo da violência. Não raro, até mesmo quem apertou o gatilho pode estar camuflado entre os espectadores.
Um procedimento dessa natureza dura, em média, de duas a três horas no local do crime. Uma presença policial que – óbvio – não agrada a uma ‘empresa’ cujo produto negociado são as drogas. E para piorar o andamento dos negócios, aqueles visitantes indesejados de distintivo e uniformes irão voltar.
No outro dia, pela manhã, você [população] não vê, mas dois ou três investigadores estão de novo no mesmo local do assassinato. A missão agora é coletar mais informações, procurar por câmeras de segurança (apetrecho quase inexistente em favelas), intimar testemunhas oculares ou não. Basta o cidadão ter o azar de morar de frente para o palco do delito, que ele será ‘convidado’ à delegacia para dizer o que sabe.
Quanto mais difícil for identificar e prender o assassino, mais tempo a Polícia Civil estará dentro da comunidade, fazendo suas perguntas e obtendo informações que, muitas vezes, ultrapassam o assunto do crime investigado. Quanto mais informações, mais investigação e, assim, mais polícia na área. E quanto mais homicídios no setor, mais esse cenário irá se repetir sucessivamente, para o desespero de uma empresa cuja mercadoria é a droga.
A Polícia ou a facção?
O crime de homicídio tem apresentado uma queda nos números em nível nacional. Umas cidades mais, outras menos. Como eu nunca trabalhei nas outras, fico com o que Campina Grande pode me revelar a respeito.
Campina, como destaquei em meu artigo anterior, está ‘beirando’ a meta de “no máximo, 10 assassinatos para cada agrupo de 100 mil habitantes”, que é uma espécie de parâmetro defendido por entidades internacionais para estabelecer o limite tolerável de violência em uma cidade, estado, região ou país. Em outras palavras, a segunda maior cidade do interior do Nordeste é quase “primeiro mundo” na matéria.
Há quem diga que essa redução nos assassinatos é fruto de ordens decretadas por facções criminosas. “A facção mandou parar de matar”. Pode ser. A perguntar é: “Mandou parar por quê?” Ficou boazinha do dia para a noite?
“Prisão perpétua”
Matar por encomenda é uma espécie de ‘ofício’ como outro qualquer. Exige perfil para isso; vocação; habilidade. A maioria das pessoas, inclusive as que vivem na criminalidade violenta, não tem coragem de sair matando só porque alguém paga pelo serviço. É preciso desenvolver um certo grau de psicopatia para encarar o desafio.
Qual é o papel da Polícia Civil nesse caso? Identificar, reunir provas e prender esses matadores. E é o que a PC, por meio da Delegacia de Homicídios, principalmente, tem feito na última década em Campina Grande.
Um pistoleiro do tráfico pode matar uma pessoa ou dez por ano, se não for contido (leia-se preso ou morto). Fiquemos com a média cinco. Se um assassino em série mata cinco pessoas, cinco assassinos irão ceifar 25 vidas ao longo do ano. O que acontece quando esses caras vão preso? O número de homicídios cai.
Mas não só isso. Se desses cinco crimes, o homicida for condenado em três deles, já são, por baixo, 60 anos de prisão a cumprir. “Ah, mas só cumpre 30” (agora são 40!). Imagine quantas vidas são poupadas com esse cara pelo menos 20 anos atrás das grades...
O efeito didático
Por fim, o impacto que essas prisões causam entre os grupos criminosos. Uma coisa é roubar um celular, ir preso e depois de dois anos estar na rua de novo. Outra coisa é passar 10, 15 ou 20 anos tirando cadeia por homicídios cometidos.
Quanto mais a Polícia Civil conseguir prender assassinos do tráfico, menos encorajados estarão os possíveis próximos candidatos da lista. Aliás, se a impunidade é o que alimenta a violência, a certeza da punição é o caminho para a paz social.
Agora, junte os ingredientes: traficantes incomodados com a presença constante da polícia + assassinos do tráfico tirados de circulação + sentença condenatória servindo de exemplo.
Eu, sendo líder de facção, mandaria cessar a matança.
PERFIL
Saulo Nunes é formado em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Ingressou via concurso público no sistema penitenciário do estado em 2009, onde permaneceu como policial penal até o ano de 2015. A partir daí, também após aprovação em concurso, passou a trabalhar como Investigador da Polícia Civil. É autor de Monte Santo: A casa de detenção de Campina Grande