O caso do ‘Zepa’ e a delicada decisão de possuir uma arma de fogo


Para quem, eventualmente, ainda não esteja a par do assunto, segue o resumo: um homem de 30 anos de idade estava bebendo em um bar, com amigos, no bairro do José Pinheiro, em Campina Grande (PB), e teria se desentendido com o dono do estabelecimento. As imagens do circuito interno mostram quando esse cliente dá um soco no proprietário do bar, que revida com um tiro na cabeça do agressor. O caso aconteceu nesse domingo (18.04.2021). O cliente morreu no local.

Queiramos ou não, o episódio é mais um ‘exemplo’ a ser mencionado nas intermináveis discussões sobre a flexibilização do porte/posse de arma de fogo para a população. Uma temática que atravessa décadas e, ao que parece, ainda está longe de chegar a um consenso (se é que um dia chegará...).

Eu, particularmente, defendo que essa flexibilização exista sim. Mas ela, por si só, não vai ajudar muito. Pior: em muitos casos, ela não surtirá o efeito desejado por quem, teoricamente, busca por segurança e paz social. Quem acha que precisa de uma arma deve encravar em sua mente as consequências que o seu “mau uso” pode causar.

[PRÉ] VISÃO

No mundo ideal, a confusão deveria ter sido resolvida no diálogo mesmo. O basicão “deixa disso” – que tão bem sabem aplicar os proprietários de bares mundo afora – costuma dirimir querelas quase que diariamente nos ambientes do tipo. E aqui, o ‘dever’ dessa medida não recai apenas para as duas partes. Os amigos em volta dos exaltados bem que deveriam ter agido nesse sentido, no caso do José Pinheiro. Ninguém previu um atrito mais contundente? Ou audiência pelo espetáculo da violência falou mais alto?

No meio policial, o assunto, claro, também desperta opiniões. A famosa “era pra ter feito isso; era pra ter feito aquilo” ignora a força dos detalhes intrínsecos à situação específica do momento, pressão rápida e impiedosa que só revela seu tamanho a quem está sob ela.

Mas como o agente de segurança, no geral, é “preparado” [dizem] para esses momentos, eu apostaria dizer que um policial no lugar do dono do bar teria sacado sua arma ANTES. Isso faria dele um “sujeito arrogante que quer ser mais do que todo mundo”, mas muito provavelmente evitaria o soco desferido pelo cliente e, por consequência, a sua morte.

Para quem não sabe, um policial precavido utiliza desses artifícios – sacar sua arma e apontar para o opositor, ainda que este esteja desarmado – justamente com o intuito de evitar o contato físico-corporal. Quanto mais afastados os corpos, menor será a probabilidade de um disparo. Há quem ainda defenda a tese de que “só saque sua arma se for para atirar”, mas eu juro que não consigo encontrar lógica nisso. Enfim...

Mas... e se mesmo sob a mira de uma arma de fogo, o sujeito não se intimida e dá um soco em quem está armado? Como faz? Bom... Daqui de onde estou sentado é muito fácil opinar; difícil é vivenciar a situação. Ainda assim, um agente de segurança daria dois passos para trás e efetuaria um único disparo nas pernas do adversário, de preferência acertando uma delas. A ideia aqui é não matar ninguém e passar a mensagem popular que diz “não venha não, que eu tô falando sério”. Do ponto de vista ‘legal’, essa atitude – acredito – consegue respaldo na lei.

UMA MERA FERRAMENTA

Eu teria diversos exemplos para defender a flexibilização de arma de fogo para a população, mas o texto já se agiganta. Deixemos para outra oportunidade. O fato é que botar uma arma na cintura e não buscar saber as consequências indesejadas que essa ‘segurança’ pode gerar é um verdadeiro tiro no pé.

Uma arma de fogo é uma ferramenta como uma serra de bancada, que exige cuidados no seu manuseio, sob pena de ter a mão decepada. É como um veículo automotor, cujo mau uso tem matado até mais do que revólveres e pistolas. É como a enxada de um agricultor, que, revoltado, pode explodir a cabeça do seu semelhante numa discussão sobre onde deve passar a cerca de arame do vizinho.

Tem que saber onde, quando e como usar.

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PERFIL

Saulo Nunes é formado em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Ingressou via concurso público no sistema penitenciário do estado em 2009, onde permaneceu como policial penal até o ano de 2015. A partir daí, também após aprovação em concurso, passou a trabalhar como Investigador da Polícia Civil. É autor de Monte Santo: A casa de detenção de Campina Grande

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