No beco/viela só cabiam o policial e sua arma longa. Se viesse alguém na ‘contramão’, teria de se espremer contra a parede, para seguir caminho. No final daquele túnel sem teto, um corpo franzino segurava uma arma de fogo. Era negro, baixo e visivelmente pobre. Mas não anunciava sua idade com precisão. Nem daria tempo. Foi abatido pelo policial que seguia no seu encalço.
Pronto. São cenários assim que inspiram estudantes, professores, jornalistas, especialistas em leituras duvidosas, ativistas mal assessorados e abnegados militantes partidários. Com base apenas nisso – e muitas vezes sem os poucos detalhes incluídos nas quatro linhas acima –, uma afirmação ecoa por anos a fio no país: “O extermínio do povo negro pela polícia”.
A turma colhe números secos de estatísticas geladas e sai vomitando as teses convenientes. Analisar contextos que é bom, nada. Tudo bem que é quase impossível a um pretenso especialista em segurança pública estar no lugar do policial nessas horas. Mas não custa ouvir desses outros especialistas – esses que estão fazendo a pesquisa de campo, de arma na mão, vivenciando as experiências in loco – como é, de fato e na vida real, que tudo acontece.
Não, não. Basta pegar os números isolados no final de cada ano, divulgados por uma ONG qualquer, e disparar a metralhadora giratória que tem como alvo principal “a polícia racista que mata mais negros do que brancos no Brasil”. Isso é o suficiente para garantir espaços generosos nos maiores jornais do país e perpetuar os conceitos equivocados que se multiplicam sem pudor. Eis o ciclo da desinformação.
Eu, que não sou especialista de nada, fico me perguntando quem empurrou aquele negro pobre para aquele beco, com uma arma na mão. Questiono a mim mesmo (já que os ‘institutos’ não me esclarecem) por que – e em que momento da vida – aquele menino/homem decidiu usar armas de forma ilegal em plena via pública.
Teria sido o desemprego? A falta de professores/escolas? A falta de saneamento básico que expõe dejetos na porta de quem faria de tudo [até crime] para sair dali? Quem empurrou aquele negrinho armado para o beco?
Algum amigo de infância dele, que um dia haveria de pagar pela sacanagem cometida anos atrás? O trauma de uma ex-namorada que só queria ficar com quem tivesse dinheiro para curtir a vida? Ou algum desajuste familiar que revolta os seres mais frágeis em processo de aprendizagem humana? Quem, afinal, botou uma arma na mão daquele negrinho, antes de ele ser abatido por um policial em um beco de favela?
E por que logo um ‘negrinho’? A História explica por que os negros são maioria em muitos morros e favelas? Isso, aliado a outros fatores, fariam dos negros um conjunto maior de seres humanos dispostos a entrar em confronto armado com as polícias? Esses ‘detalhes’ não seriam fortes influenciadores no resultado seco e gélido das estatísticas criminais? Ou tudo isso é mera confusão mental de um jornalista branco que não é especialista de nada?
Das inúmeras fake news que se mantêm vivas por tantos anos, a que diz “extermínio do povo negro pela polícia” continua sendo facilmente encontrada em cinco segundos de Google. E somente com muito tempo dedicado, talvez – T-A-L-V-E-Z-! – você encontre algum texto contendo noções de quem, realmente, empurra os negros para medir forças com policiais em becos apertados.
Na maioria dos escritos, os cientistas sociais se limitam a dizer que “a polícia matou mais um negro”.
E aguardar a grita de quem não costuma raciocinar um pouco mais.
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Saulo Nunes é formado em Comunicação Social pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB). Ingressou via concurso público no sistema penitenciário do estado em 2009, onde permaneceu como policial penal até o ano de 2015. A partir daí, também após aprovação em concurso, passou a trabalhar como Investigador da Polícia Civil. É autor de Monte Santo: A casa de detenção de Campina Grande