"Da cidadania dos mantras" - A crônica de Rodrigo Rabello

 


Confesso que inicio este texto com um conjunto de frustrações que só me faltam explodir o peito. 

Primeiramente, pela temática que aqui abordarei, conforme o caro e caríssima leitor e ouvinte hão de perceber, caso eu consiga este feito através das palavras aqui postas.

Em segundo lugar, porque tentei de mil maneiras seguir à risca os manuais de escrita criativa, da redação de crônicas e de storytelling e sua imposição quase que uníssona de fugir dos famosos “lugares comuns” e clichês. Mas, neste caso, sou réu confesso.  Foi impossível, para este humilde servo das letras, não se socorrer da máxima (tantas vezes já utilizada que se tornou um clichê dos novos tempos internéticos) do mestre Nelson Rodrigues.

Não tenho como iniciar o texto de hoje fugindo da inconteste verdade escrita por nosso mais influente dramaturgo brasileiro, quando disse que “os idiotas vão dominar o mundo. Não pela capacidade, mas pela quantidade. Eles são muitos”. 

Como assíduo frequentador das múltiplas plataformas digitais de redes sociais que dispomos e, principalmente, como entusiasta confesso das precárias discussões políticas e jurídicas travadas nestes meios (talvez uma nova espécie de masoquismo intelectual ou pesquisa empírica auto penitente do nível do exercício da cidadania brasileira), me vi refletindo acerca da profundidade dos debates sobre pautas tão nevrálgicas à vida do Estado e a desilusão deu-se como reflexo inafastável ante o nível tão profundo quanto um pires de chá com que o brasileiro médio se depara com temas que afetam não somente a sua vida, mas à toda a coletividade e, principalmente, que impactam sobremaneira o futuro deste País enquanto Estado Democrático de Direito.

Vejamos exemplos para melhor compreensão do paciente interlocutor que nos acompanha.

Ainda na data de hoje existem resquícios da discussão (outrora mais intensa, é verdade) acerca das vacinas e formas de enfrentamento ao COVID-19. À época, a premissa inconteste e o mantra levantado como verdade absoluta e inquestionável se resumia na mais simplória das frases: “isto é ciência!”.

Aos que se opunham à propalada “ciência”, o pior dos noveis rótulos da pós-modernidade: negacionista.

O curioso é que qualquer cidadão que tenha pisado em uma Instituição de Ensino Superior deveria reconhecer que ciência é, necessariamente, um conceito não absoluto. O saber científico é, naturalmente, composto de verdades provisórias e, a depender do método aplicado (posto existirem tantos), pode ser aproximadamente exato.

Quais os métodos científicos utilizados? Indutivo? Dedutivo? Hipotético-dedutivo? Dialético? Estatístico? Comparativo? Experimental? Houve tempo hábil para a pesquisa? Houve refutação científica? Ou apenas se tomou a primeira “verdade” que se julgou conveniente e erigiu-a à condição de inquestionável e absoluta?

Mas, do alto de suas cadeiras gamer, escondidos atrás das telas de seus computadores ou, ainda, utilizando-se de amplos espaços de mídia que dispunham, tantos propagavam um absolutismo inexistente no âmbito das ciências, notadamente da ciência médica, e se colocavam como reitores morais de tantos quantos lhes questionassem. 

Recentemente, passado o modismo do cientificismo absoluto dos intelectuais que se limitam à leitura de um tweet, chegamos ao novo conceito objeto das amplas dissertações de 280 caracteres, emocionados textões de Instagram e vídeos de artistas de qualidade duvidosa: a Democracia. 

Ah! Quão belo soa aos nossos ouvidos falar em Democracia, não é?

“Vamos restaurar a democracia em nosso País. Vamos proteger a Democracia. Vamos lutar pela Democracia”. Uma espécie de sentimento histérico de quem vive em um mundo distópico paralelo se apossou de entusiastas de determinado lado político-partidário e repetiam a invocação à Democracia como espécie de oração aos céus.

E a questão que se põe, novamente, é a profundidade do conhecimento do conceito de Democracia e qual o tipo de Democracia que se defendia à época.

A Democracia nos moldes Gregos? Em que se prevalecia a vontade da maioria e, aos discordantes se legava a exclusão da polis e da sociedade? A Social Democracia? Democracia Direta? Indireta? Semidireta? Liberal? Racial? A democracia participativa nos moldes dos governos do Partido dos Trabalhadores? Em que somente participavam das deliberações aqueles que possuíam alinhamento ideológico com o Partidão? A democracia do picolé? Como, reza a lenda, ocorrido no interior do Rio Grande do Norte em sessão da Câmara de Vereadores para aprovação popular do orçamento, em que, para que a população pudesse comparecer, ofereceram picolé de graça? Ou a Juristocracia tupiniquim? Onde onze togados, que nunca foram, sequer, eleitos síndicos de condomínio, dizem e desdizem os rumos da República?

Pois é. Do ponto de vista daqueles que exercem a cidadania com conhecimento no nível de profundidade de um pires de chá, caso você, atento leitor e ouvinte, perguntasse algo do tipo, não tenho dúvidas que receberia, em contraponto, um daqueles adjetivos tão abundantemente utilizados pelos paladinos da moralidade e da virtude pós-moderna: seu fascista!

Retornando aos clichês que tentei fugir (mas já chutei o balde ao longo deste texto), invoco a música dos Titãs para tratar do mantra, como a boa gramática nordestina manda, em voga.  Afinal, a “melhor banda dos últimos tempos da última semana” para aqueles que tentam, por cinismo e corrupção político-ideológica justificar a censura instaurada e praticada por nossa “Supremocracia”, agora, repetem exaustivamente que “direitos fundamentais não são absolutos”.

E, aqui, eu entro na minha zona de conforto.

Afirmar a relatividade dos Direitos Fundamentais não transforma ninguém em profundo conhecedor do Direito Constitucional brasileiro. No máximo, mostra que o cidadão teve a capacidade de ler um super-hiper-mega bizurado daqueles que os alunos que vão prestar a prova do Exame de Ordem recebem na porta da prova. Qualquer sinopse meia boca de Direito Constitucional vai ter essa informação e a repetição em nível de exaustão não vai dar ao militante a qualidade de um Cícero, jurisconsulto romano.

Para se chegar ao resultado final de relativizar um Direito Fundamental, qual foi o método hermenêutico utilizado pelo julgador (se houve)? Houve a devida motivação do decisum? A correta aplicação do método? Ou apenas a vontade do Juiz Zeus (não mais o Juiz Hércules, na expressão cravada pelo Professor constitucionalista Marcelo Neves) em aplicar a sua vontade na situação concreta?

Trago estas reflexões no texto de hoje para que você, ouvinte e leitor, perceba que, em uma sociedade pós-moderna que tanto se orgulha de sua racionalidade, o que mais se percebe é que, tantas vezes, nos comportamos como animaizinhos agindo, conforme a psicologia denomina, em comportamento de manada.

E perceba, é válido pontuar, que não venho me passar, nestas letras, por arrogante intelectual ou detentor de todo o saber humano, mas me reconheço, humildemente, incapaz de debater sobre tantos e variados temas sem o mínimo de análise prévia e estudo. O exercício da cidadania está diretamente relacionado à Educação e, à parte toda a lógica por trás desta afirmação, quem reitera isso é o art. 205 da Constituição Federal.

E lhes digo, em derradeiro momento, que entre ser um simulacro de animal coletivo agindo em manada e ser um ser humano, parte da menor minoria que existe, o indivíduo, escolhi ser humano. 

Da mesma forma que iniciei estas palavras falando da idiotia humana, agora, invoco a capa do belíssimo livro de Jean-François Marmion, a “Psicologia da Estupidez”, em que deixa clara a premissa da obra: “não existe um mundo sem idiotas. E lidar com eles é um desafio…”.

Como lidar? Pois bem. Leia mais. Se aprofunde sobre os temas. Se posicione. Exerça sua cidadania de maneira consciente e responsável. Dizem que toda opinião é válida. Discordo: opinião válida é opinião embasada. 

Por fim, invoco, neste fim de texto repleto de clichês, notadamente contra o que os manuais de boa redação recomendam, as palavras do eterno Mário Quintana, em seu Poeminha do Contra: 

“Todos esses que aí estão

Atravancando meu caminho,

Eles passarão...

Eu passarinho!”.

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Rodrigo Rabello é professor, advogado e tem coluna semanal no Jornal do Meio-Dia da Campina FM

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