Quando a imprensa vira porta-voz de bandidos, o jornalismo presta serviço ao crime


Por Lenildo Ferreira - jornalista e advogado

A busca pela audiência ou pela venda de jornais, hoje materializada também na luta por acessos e engajamento do público, sempre foi um desafio aos limites éticos do jornalismo. 

Não raro, ultrapassar tais limites tornou-se sinônimo de sucesso e notoriedade, afinal de contas, o sensacionalismo vende muito bem porque tem um público consumidor ávido e expressivo.

Programas de TV e rádio que expunham um tom policialesco carregado nas tintas sempre bateram as paradas na audiência, virando programa de família em plena hora do almoço ou no fim da tarde. 

Em seus tempos gloriosos, o jornal impresso com fotos coloridas dos cadáveres crivados de bala disputando capa com mulheres seminuas esgotavam nas bancas. 

Agora, com o apogeu da internet, cadáveres e desgraças em geral já têm um subtítulo que, por si, garante corridas aos sites, blogs e redes sociais. Basta escrever “imagens fortes” e o engajamento está garantido. 

Mas, um quesito que sempre desafiou de um modo ainda mais particular as fronteiras éticas foi a divulgação de informações de interesse dos criminosos. 

Nas redações, os jornais, rádios e TVs discutiam se deviam ou não publicar cartas de bandidos, mensagens de quadrilhas.

Ainda mais grave quando tais mensagens são estrategicamente divulgadas por facções criminosas no afã de espalhar o terror, de ganhar notoriedade, de mandar recado para inimigos e autoridades. 

Pior ainda em tempos nos quais qualquer um com acesso à internet vira comunicador, sem reflexões éticas, sem a capacidade de enxergar as consequências de um “jornalismo” sem limites. 

Nos episódios recentes, como os ataques terroristas no Rio Grande do Norte, parte da mídia virou pombo-correio de recadinhos das facções. Isso quando não divulgou até fake-news. 

Na dúvida sobre a legitimidade ou não, a veracidade ou não, a conveniência ou não de uma informação, a ordem do antijornalismo é publicar para não perder o “furo”, o like, o acesso, o engajamento.

Não por acaso, o jornalista estuda em uma faculdade de comunicação social. Porque a informação tem impacto severo sobre a sociedade. 

É elemento estratégico. Jornalismo não é só reproduzir fatos e disseminar conteúdo. É apurar, checar, interpretar, avaliar. Saber o que e como publicar e, principalmente, o que não publicar.

Disseminar fake news é atentar contra os princípios elementares do jornalismo. 

Ainda pior, porém, é tornar-se porta-voz dos bandidos. Um crime contra a sociedade, contra a missão da profissão e até contra a própria dignidade e caráter que se esperam de um jornalista - ou simplesmente de um ser humano. 

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