Uirá Coury - Médico e membro do IHCG
Era uma vez um Menino, que cresceu cercado por muito amor de seus pais, irmãs lindas, amigos e uma Ferrovia que percorria as redondezas do seu bairro. Desde pequeno, ele desenvolveu uma conexão especial por máquinas em geral e, em especial, com aquelas imponentes locomotivas que percorriam os trilhos da antiga Rede Ferroviária Federal, a REFFSA. Seu coração pulsava ao ritmo do som característico das rodas de aço ao bater pesadamente nos trilhos, e sua admiração pela potência ao ouvir o ronco daqueles potentes motores diesel-elétricos daquelas máquinas era algo indescritível.
Aquele menino sempre se maravilhava com a - característica e bela - pintura vermelha das locomotivas, adornadas com listras amarelas, que à grande distância conseguia identificar, aproveitando-se do fato de ter visão ¨perfeita¨ segundo seu médico Oftalmologista, um senhor que era amigo de seu Pai. Para ele, aquelas cores vibrantes simbolizavam força e destemor, fazendo com que cada trem se transformasse em uma obra de arte em movimento. E, assim como a pintura, a paixão desse Menino pela Ferrovia se tornou uma parte inseparável de sua vida.
Fig 1: meu filho Pedro observa a movimentação do Ferrorama que montei para ele |
Naqueles tempos, as brincadeiras ao ar livre com seus amigos do bairro no Conjunto dos Professores eram a quintessência da felicidade! E o som inconfundível do apito em tom grave das locomotivas da REFFSA anunciava a chegada do trem, e aquela era a deixa perfeita para que o Menino, quando pequeno ficasse com sua cabeça quase entalada na janela do seu quarto ou corresse até o alto do muro de sua casa, onde ficava apoiado numa espécie de alpendre da garagem. Já um pouquinho maior, às vezes ele ia até a beira dos trilhos, após atravessar uma perigosa e movimentada avenida, onde pela primeira vez sentiu o coração quase sair da boca quando viu, ouviu e sentiu o rugido inconfundível daquelas máquinas bem de perto, como um leão a anunciar o seu reinado. Entusiasmado, ele acenava para os maquinistas, que sempre gentilmente retribuíam o gesto. Com emoção, o garoto acompanhava com os olhos atentos, o coração pulsando e a alma livre as pesadas composições férreas que deslizavam pelos trilhos, deixando para trás uma trilha de admiração, encantamento - e trilhos bem quentes!
Os dias daquele Menino eram preenchidos com aventuras reais e imaginárias, entre as quais ele era o maquinista destemido que controlava aquelas potentes locomotivas e uma longa fila de vagões quase intermináveis. Ele sonhava em viajar pelos mais distantes horizontes, atravessando montanhas, rios e florestas. A Ferrovia da REFFSA era uma de suas fontes de inspiração, e cada trem que passava diante de seus olhos alimentava sua imaginação com histórias de viagens incríveis e destinos desconhecidos, levando variadas cargas e passageiros por todo o país.
Mas o tempo avançou, e aquele Menino seguiu seu caminho. Ele se tornou um Médico Cirurgião, pois sua Missão de Vida seria salvar vidas e fazer o seu melhor para ser a diferença na vida das pessoas. No entanto, mesmo com todas as suas conquistas, aquele Menino nunca esqueceu a beleza daquelas grandes composições férreas que um dia fizeram parte intrínseca de sua infância. As memórias da Ferrovia e daquelas locomotivas continuam vivas em seu coração, como uma chama que jamais se apagou.
Peço vênia ao leitor, pois é importante o relato sobre o processo irresponsável de entrega daquele patrimônio do Povo Brasileiro, e a Ferrovia que tanto encantava aquele Menino, agora Homem feito, foi solapada de maneira gradual e contínua. Até que um dia, as locomotivas e seus vagões desapareceram dos trilhos, substituídas por mato, lixo, construções irregulares, interesses comerciais e politicagem, como um verdadeiro crime de lesa-pátria. A bela pintura vermelha com listras amarelas se perdeu nas sombras do esquecimento, e o encanto dos dias de brincadeiras ao ar livre foi substituído por uma certa tristeza da ausência daqueles cenários que coloriram aquela infância que daria uns bons filmes felizes.
Como um alento passageiro, o que restou por alguns anos foi o Trem do Forró, que animava os trilhos e turistas no mês de Junho em Campina Grande, o qual também foi varrido do cenário após um acidente provavelmente devido à má conservação da via e por consequências de uma pandemia que ceifou sonhos e vidas.
Fig. 2: Meu filho Davi observa admirado uma réplica perfeita de uma locomotiva da REFFSA |
Fig. 3: Réplica de uma locomotiva da REFFSA na característica pintura |
Mesmo assim, em outra nobre Profissão, com uma rotina de muitos afazeres e grandes responsabilidades, aquele ¨Menino¨ continua a sonhar com a época em que a Ferrovia era um símbolo de liberdade e admiração. Ele mantém viva a esperança de que um dia as potentes locomotivas voltarão a percorrer aqueles trilhos, trazendo consigo não apenas cargas e passageiros, mas também a alegria e a magia de uma infância repleta de inocência e imaginação.
Ele segue sua jornada como Médico Cirurgião, dedicando-se a – com a ajuda de Deus - salvar, curar, aliviar e confortar vidas. De certa forma, procura honrar a beleza daquelas composições férreas em seu trabalho, ao encontrar força e inspiração nas memórias de um tempo em que a Ferrovia fazia parte do seu Mundo. E em cada lembrança, o ¨Menino¨ encontra uma forma de manter viva a esperança de um dia reencontrar aquela Ferrovia que lhe foi tirada, e reviver aqueles dias de brincadeiras e aventuras agora ao lado de seus dois filhos, que nunca viram de perto a beleza daquela locomotiva vermelha de listras amarelas rugindo seus potentes motores.
Este texto autoral é dedicado a todos os bravos ex-funcionários da REFFSA, aos aficionados e entusiastas por Trens/Ferrovias e a todos os ¨Meninos¨ que andaram, viram, ouviram e sentiram a presença dos daquelas máquinas em suas vidas.