Setenta anos após vereador ser morto por assecla do prefeito, Campina volta a clima violento contra críticos do poder


Por Lenildo Ferreira

Numa democracia, criticar qualquer agente público é direito fundamental que contempla todo e qualquer indivíduo. E isso independe, inclusive, de quão justa, desinteressada ou isenta seja ou não seja a crítica. 

Desde que esteja dentro dos limites legais, a opinião referente a governos e governantes pode ser até mesmo injusta, pode ser motivada pelo fundamento pessoal que for, pode ser mera intriga da oposição. Não importa.

Naturalmente, as críticas podem – e até devem – ser respondidas. Mas, tanto dentro dos mesmos limites legais quanto com a moderação que se exige de quem ocupa posições públicas.

A política nordestina é marcada por violência contra oponentes dos que estão no poder. Em Campina, a morte do vereador Félix Araújo, ferido a bala quando investigava contas do então prefeito Plínio Lemos, completou setenta anos em 2023.

O parlamentar foi vítima de um servidor da prefeitura, João Alves de Brito, agregado pelo chefe do executivo. Plínio jamais foi responsabilizado pela Justiça e a ação do assassino ficou na conta de um gesto covarde de um bajulador.

Sete décadas depois, tanta coisa mudou, mas Campina Grande nitidamente voltou a viver um clima pesado, deletério e violento contra qualquer pessoa que ouse criticar o governo municipal.

Em questão de semanas, os episódios se multiplicam. Vereadores, tanto de oposição quanto aliados, jornalistas e cidadãos em geral têm se visto na mira da arma de moer dignidades e ferir a honra alheia.

Secretários e coordenadores do governo são vistos em rede social engajando postagens de comissionados com acusações gravíssimas contra o legislativo.

Jornalistas são xingados por secretários, esculachados por servidores. Empresários, por reclamar do arrocho tributário, são chamados de levianos e excluídos de grupos de discussões.

Grupos de WhatsApp servem de instrumento de convocação de reações e a militância de integrantes é acompanhada com atenção nas redes sociais. 

O governo se julga senhor e dono da verdade; age com um misticismo horripilante, evoca o sagrado para justificar decisões e desenha qualquer crítica e qualquer crítico como algo maligno.

Até agora, a violência é moral. O que já é imoral. 

Mas, a emulação do radicalismo e a insuflação de ânimos dos que vivem arraigados e dependentes do poder é um pavio que, uma vez aceso, torna-se incontrolável.

Ninguém se surpreenda se o "ódio do bem", praticado entre preces e discursos tão eloquentes quanto falsos, acabar uma hora destas resultando em desastre.

Setenta anos depois, o tempo ainda não lavou da História as marcas do sangue de Félix da esquina da Maciel Pinheiro com a Floriano Peixoto. 

E Campina Grande volta ao ambiente de medo, onde uma pessoa, para exercer o direito mais elementar do mundo de criticar um governo, precisa ter coragem e ousadia.

O bem não faz o mal. Quem é do bem semeia a paz e sabe suportar até mesmo a injustiça. Jamais esconde-se sob oratória diversionista enquanto aciona tropas para ataques vis, odientos e repudiáveis.

Livre-nos Deus, mas se a onda crescente de ódio institucionalizado levar a desfechos ainda mais graves, toda a cidade sabe quem deverá ser responsabilizado.

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