Até o dia 14 de fevereiro de 2024, eu considerava os presídios federais brasileiros como equipamentos de primeiro mundo no Brasil. Depois da fuga de dois detentos naquela data, eu recuei um passo. Seria um exagero de minha parte?
Acho que não. O governo federal tem dinheiro de sobra para não deixar aprisionados saírem com relativa facilidade daquele lugar. E a propaganda institucional feita em cima dessas unidades ao longo de 18 anos de criação turbinou a crença de que dali ninguém jamais sairia sem ser por ordem judicial.
O fato de que “foi a primeira vez que isso aconteceu” teria relevância se as fugas tivessem ocorrido de outra forma, como uma invasão fortemente armada por parte do crime organizado. Embora as penitenciárias devam estar sempre ‘preparadas’ para uma invasão, um episódio assim seria muito menos constrangedor do que dois presos conseguirem arrancar uma luminária, cavar a parede, subir no teto, cortar telas de proteção e... ‘tchau!”.
Não, não. Alguém errou feio nessa história, e eu me recuso a acreditar (até que me provem o contrário) de que a ‘culpa’ tenha sido apenas dos servidores de plantão. Aliás, segundo se publica, o presídio federal de Mossoró estava (ou está) com várias câmeras inoperantes, e muitas que estão funcionando não teriam qualidade digna de ‘primeiro mundo’. Isso, por si só, já quebra o encanto propagado pelo marketing prisional federal.
Vejamos:
PRESÍDIO SERROTÃO (Campina Grande): mais de mil presos; estrutura antiga (inaugurado em 1990); efetivo, equipamentos e salários bem menores do que o sistema federal; entre outras ‘desvantagens’. Sim, no velho Serrote ainda há registros de aparelhos celulares, drogas e outras falhas que certamente não se tem notícia no sistema federal. Mas o que chama mais atenção nesse submundo – a fuga de presos – já tem 13 anos que não ocorre no Serrotão. A última foi no ano de 2011.
PRESÍDIO FEDERAL (Mossoró): não chega a 100 presos; celas individuais; estrutura nova (inaugurado em 2009); longe da zona urbana; equipamentos condizentes e salários atraentes. Não amarga os ‘desastres internos’ que se verifica no Serrotão, mas possui uma engenharia estruturada para evitar tudo isso mesmo. E em 15 anos após ser construída, a penitenciária de Mossoró vira manchete nacional justamente naquilo que desperta mais alvoroço nesse submundo: fuga de presos.
Por outro ângulo: quando o presídio federal de Mossoró foi construído, dois anos depois o do Serrotão registrava sua última fuga. Elas por elas, pelo menos no quesito ‘fuga de presos’, é como se as duas unidades em questão estivessem ‘se equiparando’.
“Cala essa boca, p*rra!”
Toda vez que eu converso isso com os diretores do Serrotão (o que estiver no cargo), eles me vêm com a reprimenda delicada acima.
“Isso dá um azar danado!”, justificam.
----
Saulo Nunes é policial civil, jornalista e escritor