Mentalize um prédio comercial como o Heron Marinho (por exemplo), em Campina Grande, e responda a si mesmo/a: “Em que circunstâncias você acha que os ocupantes das salas (todas elas) sairiam do local por ordens da polícia sem resmungar?” Num caso de ameaça de bomba? Ou fortes indícios de que há um homem surtado de posse de uma metralhadora em um daqueles corredores? Talvez, a possibilidade de um risco a todos – ou seja, “risco a qualquer um” – pudesse esvaziar aquele prédio sem demora. Em outras circunstâncias, eu já não sei.
Sejamos francos: você acha que se a polícia dissesse “deixem suas salas, saiam todos do prédio; estamos investigando o desaparecimento de uma faxineira”, essa ordem seria acatada? E, se fosse, seria de bom grado? Em tempo: o Heron Marinho é apenas um exemplo. A reflexão aqui serve para qualquer outro ambiente semelhante.
Em 07 de julho de 2009 – não faz muito tempo; eu estava fazendo a contagem de presos todo final de tarde na Casa de Detenção do Monte Santo, em Campina Grande –, uma zeladora chamada Eridania Rodriguez, 46 anos, negra, não voltou para casa após o trabalho. Ela fazia a limpeza em um prédio comercial de Manhattan, Estados Unidos, de onde deveria ter saído ao final da noite. Não saiu.
No dia seguinte, após receber a notícia do desaparecimento, a primeira medida adotada pela polícia local foi evacuar todo o prédio, que, frise-se, tinha nada menos do que 26 andares. Investigações preliminares indicavam que Eridania havia entrado para mais um dia de trabalho, mas não saiu do edifício. E a polícia precisava ‘vasculhar’ sala por sala, à procura dela.
Os investigadores tiveram que fazer a ‘varredura’ nos pavimentos, ouvir funcionários, analisar câmeras de segurança, dentre outras alternativas que levassem ao objetivo-fim, que era encontrar a zeladora, viva ou morta.
Essa brincadeirinha durou quatro dias. No dia 11, os policiais encontraram a mulher morta. Estava com os pés e mãos amarrados e com uma fita na boca. Seu corpo estava escondido no duto do sistema de ar condicionado, no 22º andar, pavimento que estava em reformas.
No decorrer das investigações, os policiais identificaram um suspeito, cujas provas/evidências resultaram em sua condenação. O assassino foi preso no dia 17 daquele mês e ano (dez dias após o desaparecimento) e condenado a cumprir “de 25 anos à perpétua”, dosimetria comum nos Estados Unidos para casos do tipo.
Que polícia nós queremos?
A história de Eridania pode ser encontrada em portais de notícia da internet, mas é bem mais detalhada em um documentário chamado “Homicídio – Nova Iorque”, da Netflix, que entrevistou investigadores do caso e familiares da vítima. Uma ‘final de copa do mundo’ para quem prefere futebol.
Por vezes, nós, brasileiros, insistimos em querer comparar a capacidade técnica das nossas polícias com as do mundo desenvolvido, mas quase nunca nos damos o trabalho de procurar saber como as coisas funcionam para as bandas de lá.
Se algum dia você me vir parado, com o olhar fixo no alto de um prédio, não se assuste. Eu quero viver 90 anos. Certamente, eu estarei apenas procurando respostas para duas perguntas:
1 – Temos policiais dispostos a passar quatro dias vasculhando essa montanha de salas?
2 – Temos uma sociedade consciente de que isso ajudaria bastante as investigações?
----
Saulo Nunes é policial civil, jornalista e escritor