“40 gramas”: Sabe o que faltou para eu atirar naquele ‘maconheiro’? - Por Saulo Nunes

A polêmica da ‘descriminalização’ de possuir [em casa, no bolso, na rua] uma porção de maconha para consumo próprio é um dos assuntos mais quentes nos últimos dias e, inevitavelmente, força-nos a pensar sobre o tema, principalmente quando sua vida profissional tem armas e crimes ao seu redor. Eu já tive uma experiência bem delicada nesse contexto e poderia ter matado um jovem “sem necessidade”. Já que você não estava lá comigo na hora, ofereço-lhe uma oportunidade de experimentar esse ‘barato’.

Eu estava chegando próximo da minha casa, quando a esposa me ligou dizendo que “um homem havia pulado o muro”. Para entender: eu moro em uma casa de primeiro andar; na casa de baixo reside minha sogra, com uma neta. Portanto, só havia mulheres em casa naquele momento.

Pisei no acelerador. Não quis parar o carro em frente de casa, pois isso chamaria atenção do invasor.  Parei cinco ou seis residências antes e fui caminhando. Quando passava pela segunda casa antes da minha, o sujeito pula o muro de volta (para a rua). Ele caiu com os joelhos flexionados e nem deu tempo ficar de pé: eu já estava com a pistola apontada à sua cabeça, proferindo palavras impróprias para serem ditas aqui.

O rapaz olhava-me assustado, dizendo que não era bandido; que era conhecido da minha sogra; dentre outras alegações. O dedo raspava o gatilho, porque ser humano não é máquina. O portão da casa se abriu, com minha sogra confirmando as informações do elemento.

“Ele é filho de ‘fulana’; é usuário de drogas e de vez em quando vem aqui me pedir alguma coisa. Só que hoje eu não abri a porta, e ele pulou o muro. Mas deixe ele ir embora, não faça nada com ele não”, relatou minha sogra. Bradei mais algumas daquelas expressões impróprias e mandei que o rapaz fosse embora.

O início

Segundo eu sondei depois, aquele rapaz começou a fumar maconha dentro de sua casa. Sua mãe teria permitido isso, pois “aqui, pelo menos, eu estou vendo. Pior é sair para fumar fora”. Só que o rapaz se tornou viciado; os objetos de sua casa começaram a sumir; a mãe não teve força para segurá-lo; e resultado disso tudo poderia ter sido um “Policial atira em homem desarmado” (ou algo do tipo).

O meio

Estamos em meio à turbulenta discussão sobre ‘descriminalização’ do uso de maconha em pouca quantidade, temática que renderia dezenas de outros textos, como, por exemplo, a dificuldade que isso representa para os policiais, na vida real das ruas. Ao que parece, o governo vai ter que adquirir balanças de precisão para cada viatura neste país. E tudo o que dificulta o trabalho da polícia facilita a vida do criminoso. Simples assim.

O fim

É triste ver uma juventude ‘inteira’ se perdendo no vício das drogas. Deplorável. Mas naquele dia, naqueles 20 ou 30 SEGUNDOS que eu tive para avistar o rapaz pulando o muro, puxar minha arma, apontar para a cabeça dele, manter o infeliz rendido, ouvir suas alegações e ouvir as explicações da minha sogra, eu não tinha tempo para refletir sobre “questões sociais”. Isso se faz em sala de aula, com ar condicionado ligado e quatro anos livres para apresentação de ideias.

Aquele lazarento não morreu porque soube manter as mãos bem às minhas vistas. Bastaria ele “tentar pegar o celular no bolso sem me avisar”… Seria o fim.

Se o problema da maconha fosse tão somente “fumar dentro de casa”, seria ótimo, apesar de a Associação Brasileira de Psiquiatria apontar a erva como forte reprodutora de esquizofrênicos.

As consequências do “Legalize já!” são muito mais profundas.

Em tempo: Não tive mais notícia do rapaz.

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Saulo Nunes é jornalista, escritor e policial civil

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