“Lá, você anda tranquilo com o celular na rua...” --- Será? (Por Saulo Nunes)


Em algum momento da vida recente, eu caí no costume de ir para a ponta do lápis toda vez que alguém me exibe números. Afinal, números, em mera aparição, não são absolutamente nada se não forem confrontados com um ou mais referenciais. É como os critérios de feio e bonito. Tem de haver duas ou mais pessoas habitando no planeta, para que essas comparações estéticas sejam viáveis. 

Em minhas andanças pela web, parei no site do Grupo Band (band.com.br), onde uma matéria afirma, em seu título, que “Londres registra 250 roubos de celulares por dia em meio a aumento da violência”. O texto foi publicado no dia 10 de agosto de 2023, às 11h40.

Aí lembrei que, por vezes, tirei plantões de 24 horas na Cidade da Polícia Civil (antiga Central) em Campina Grande, e em muitas ocasiões não havia um registro sequer de roubo de celular. Passávamos as 24 horas de um sábado ou domingo atendendo outras tretas, como os casos de violência doméstica, que – esta sim – é difícil falhar em uma delegacia.

Ah, claro: precisamos confrontar os dados populacionais. Londres tem aproximados 9 milhões de habitantes, e Campina Grande 420 mil. Ou seja, a capital da Inglaterra é 21 vezes maior do que a Rainha da Borborema. E assim sendo, para que o indispensável jogo das proporções nos revele um cenário comparativo justo, Campina precisaria registrar uma média de 11 roubos de celulares por dia, para se equiparar ao cenário inglês.

E agora? Alguém vai ficar na dúvida comigo? Campina Grande ultrapassa ou não a média de 11 roubos de celulares por dia na cidade? Caso ultrapasse, seria em quanto? E se a média for a mesma, como discutir ‘sensação se segurança’ nas duas cidades? 

“Cadê a polícia?”

Pelo menos uma coisa nos parece familiar nessa história: lá no finalzinho da matéria, o jornalista que a escreveu disse que “[em Londres] a falta de punição dos bandidos pela polícia também acaba incentivando a prática criminosa.  

Aqui, pelo menos, quem pune é o Judiciário. 

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Saulo Nunes é policial civil, jornalista e escritor

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