Em maio deste ano, o programa ‘Fantástico’, da Rede Globo, exibiu uma reportagem sobre ‘Edmilson’, um homem condenado a 170 anos de prisão por ter [supostamente] estuprado quatro mulheres. Ele foi reconhecido pelas quatro vítimas e acabou passando 12 anos atrás das grades, quando exames de DNA apontaram o verdadeiro autor dos estupros. Edmilson foi posto em liberdade.
Casos assim – que são minoria, mas não são raros – tendem a despertar declarações do tipo “somente a prova técnica deve ser confiável”; “prova testemunhal não é suficiente para embasar condenações”; “testemunha é a prostituta das provas”; etc. E essa conjectura acaba por dar mais credibilidade à perícia enquanto ponto final das discussões.
Só que na prática, as coisas não são bem assim. É óbvio que uma prova pericial tem muito peso (mas não ‘peso absoluto’; você verá mais à frente) num trabalho de investigação. O problema é que, pelo menos nos países pouco desenvolvidos, a perícia continua sendo coadjuvante na maioria dos casos de crimes graves.
Barbárie de Queimadas
Há nove anos, a TV Record exibiu uma reportagem de 46 minutos sobre o estupro coletivo que ficou conhecido nacionalmente como “Barbárie de Queimadas”, no qual cinco mulheres foram estupradas, com duas delas assassinadas após os abusos sexuais. A brutalidade aconteceu em fevereiro de 2012, três anos antes de a referida reportagem ir ao ar.
Além de detalhar todo o enredo macabro do episódio, a matéria da Record foi enfática: laudos periciais NÃO detectaram material genético do estuprador das meninas, tampou resquícios de pólvora nele. Afinal, foi ele – Eduardo dos Santos Pereira, mentor da estupidez – quem articulou a barbárie, estuprou uma das vítimas e matou duas delas a tiros. E por tudo isso, foi condenado a 108 anos de prisão.
Essa “ausência de provas técnicas” fez o advogado de Eduardo se apegar ao que qualquer defesa se agarraria: “Entre dez depoimentos e uma prova pericial, eu entendo que a prova pericial prevalece”, disparou o advogado, aos 36 minutos da reportagem, que – repito – foi exibida três anos após o fato.
Assim, se fôssemos seguir a tese de que “somente a prova técnica deve ser confiável”, os DEZ condenados pela Barbárie de Queimadas sequer teriam sido presos. Foram os depoimentos de cada vítima e testemunha que edificaram as bases mais concretas para a condenação de todos eles.
O pediatra de João Pessoa
Nos últimos dias, uma ‘bomba’ explodiu em João Pessoa, com a denúncia feita por uma mulher de 40 anos (ou algo aproximado) contra o seu próprio tio, o médico pediatra Fernando Paredes Cunha Lima, membro de uma das famílias mais tradicionais da Paraíba, politicamente falando.
O médico está sendo investigado por ter abusado de crianças durante os atendimentos. Ele teria tocado em partes íntimas das meninas, comportamento flagrado pelas mães delas. Quando as denúncias vieram à tona, uma sobrinha de Fernando foi à imprensa dizer que também foi vítima do tio, nos idos de 1990.
O fato é que, pelo menos até então, não existem as chamadas “provas técnicas” (foto, vídeo, DNA, etc.) que possa dar um ‘ponto final’ na conversa. O que temos são várias pessoas apontando o pediatra como um pedófilo, acusação de certa forma ‘admitida’ por diversos familiares do médico.
Conclusão
A tragédia de passar 12 anos preso inocentemente é algo irreparável. Só não é pior do que um caso nos Estados Unidos, exibido em reportagem da TV Band, em julho de 2023, sobre um homem que passou 33 anos atrás das grades. Ele estava condenado à prisão perpétua e foi considerado inocente mais de três décadas depois. Saiu chorando da prisão, como fez Edmilson no Brasil. A diferença é que os EUA são um tal de ‘primeiro mundo’...
Mas tirando os casos/falhas/erros pontuais, isso é o que temos para o momento. Na maioria dos casos, as provas testemunhais, quando não dão o tom da ‘palavra final’, apontam os caminhos para a investigação criminal chegar aos culpados, ainda que, em casos pontuais, ocorram injustiças.
Ou a gente aceita isso, ou então libertemos Eduardo Pereira, peçamos desculpas a Fernando Cunha Lima (até que se prove o contrário) e sigamos o que muita gente ‘estudada’ defende com todas as forças dos seus pulmões: “só provas periciais!”
Como dizia outro famoso programa de TV em outrora, “Você Decide”.
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Saulo Nunes é jornalista, escritor e policial civil