A Liberdade em Rede – por Uirá Coury

A Capital de Brazuela, Brazólia amanhecia em seus tons de concreto acinzentado, como se o céu hesitasse entre luz, sombra e nuvens doidas. Pelos corredores largos do poder e dos palácios, sussurrava-se a mais nova proposta: uma tal de "regulação da mídia". Assim, entre aspas, porque a expressão sempre soa melhor quando envolve um toque de eufemismo. A liberdade, dir-se-ia (ah, saudade das mesóclises!), precisava de rédeas. Ah, as rédeas da razão! Ou, quem sabe, do controle total e absoluto.

De um lado, as camisas sociais justas dos ungidos da elite burocrática socialista de Brazólia; do outro, os ternos italianos bem ajustados dos corruptos profissionais/lobistas e piratas do setor privado da comunicação mainstream. Todos esses personagens, curiosamente, unidos por um objetivo nobre, quase altruísta que pode ser resumido na frase: ¨Temos que proteger o povo de si mesmo!¨ Afinal, como poderiam os habitantes de Brazuela lidar com tamanha avalanche de informação descentralizada e distribuída?! Os mais aterrorizados repetiam: ¨Ainnn! Isso é Perigosíssimo!¨ Quem dera todos fossem agraciados com a ¨sapiência¨ desses supremos do poder. Digamos que possuidores um oceano de uma inteligência e benevolência tão profundas que um lactente atravessaria com o seu pequeno dedão do pé! 

Enquanto isso, em uma pequena bodega daquela pequena cidade do interior de Brazuela, uma moça de jeans desbotado e camiseta estampada com um meme lia em seu celular uma notícia recém-publicada por um blog independente. Ali, ainda restava um resquício de uma Brazuela pulsante. Nas mãos de um ¨reles¨ cidadão comum, no simples ato de rolar a tela de seu smartphone, residia a verdadeira liberdade. Descentralizada, indomada, imprevisível e distribuída. A jovem ali clicava, discutia, compartilhava, salvava, guardava. Não era a informação perfeita, não vinha pasteurizada a mando da elite socialista burocrata de Brazólia, mas era LIVRE! E aí está uma grande ironia: a verdade pode até chata, especialmente quando pega os poderosos de ocasião com a calça curta, mas a censura é PIOR!

Mas voltemos os olhares para o Congresso de Brazuela. No plenário, um parlamentar da casta socialista burocrata vociferava contra supostas "fake news", que, no fundo, eram todas as notícias que não lhe agradavam. Uma plateia de estamentos burocráticos balançava a cabeça em uníssono, como um coral afinado em dó menor. O homem bradava em tom paternalista: “Não se preocupem! Nós somos o estado democrático de direito e claro que decidiremos o que é bom para vocês!” 

Machado de Assis, um escritor que nunca esteve longe do teatro humano, teria sorrido de soslaio ao ouvir tal absurdo. Se há algo que a História ensina – e poucos querem aprender – é que os ¨donos da verdade¨ mudam, mas curiosamente métodos de controle são os mesmos. Do Index Librorum Prohibitorum aos algoritmos governamentais, a lógica é imutável: a finalidade é manter as ideias e mentes sob vigilância, como se fossem aves em gaiolas douradas. 


E, caro leitor, você sabe, Brazuela é um país de ironias finas e brutas. Lá, a corrupção veste terno Armani, relógios Rolex e discursa em defesa da moralidade e do estado democrático de direito. Lá, quem mais teme a ¨terrível¨ liberdade de expressão são os que mais têm a esconder. A informação descentralizada e distribuída, como uma velha máquina de escrever enferrujada, pode ser imperfeita, mas é autêntica. É o grito do camelô no centro da cidade, a discussão acalorada na fila do pão, o meme sobre altas autoridades carecas que arranca risadas mesmo em tempos difíceis.

O perigo, portanto, não está na liberdade de todos falarem. O perigo está em poucos decidirem quem pode ouvir o quê.

Na saída do plenário, um jornalista independente, munido apenas de um celular e muita coragem, fazia perguntas incômodas a um deputado suarento de Brazuela. As respostas vinham em evasivas e olhares de raiva, mas o sorriso do repórter já era uma vitória. Porque enquanto houver liberdade de perguntar, haverá quem resista e se incomode. 


E assim, enquanto as engrenagens da "regulação" tentavam girar e asfixiar a verdade, a liberdade, com sua teimosia, insistia em respirar. Afinal, a liberdade na história de Brazuela nunca foi presente; ela sempre foi conquistada a duras penas, lágrimas, suor e até mesmo o sangue de seu povo aguerrido.

E que assim continue. Porque, no fundo, quem mais teme a luz são aqueles que preferem agir nas sombras, como vermes intestinais.

OBS.: “Este é um texto de ficção, qualquer semelhança com nomes, pessoas, fatos ou situações da vida real terá sido mera coincidência”

As imagens foram criadas pelo autor com auxílio de IA.

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Uirá Coury é médico e membro do Instituto Histórico de Campina Grande


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